domingo, 7 de setembro de 2008

Crônica

Naquele tempo eu achava que seria o futuro lateral-direito da Seleção Brasileira. Um sonho guardado no fundo do coração. Escondido. Como quase tudo que eu fazia de divertido. Procurava jogar bola longe dos olhares dos irmãos. Longe de meus pais. Lia gibis com a porta do quarto trancada. Ia ao vizinho assistir aos jogos do campeonato italiano de calça, camisa social e bíblia. É, de vez em quando eu cabulava o culto para ver o Napoli de Maradona e Careca jogar.
Usava short de teimoso. A doutrina da igreja era também rígida com um garoto de dez anos. Mas eu me sentia um rebelde com causa e desprezava a obrigação de só usar calça. “Quando eu marcar um gol na copa até o velho mais ranzinza da igreja vai aplaudir”, planejava, enquanto ia para o campinho improvisado na praça.
Rua Tapajós, número 115. Centro velho de Barra do Turvo. Tínhamos um time fenomenal. Ganhava até de marmanjos. Adriano, Edson, Fabinho, Juninho, Serginho, Nenê, Luis, Noel, Deusdete, Cidão. Lembro-me de todos.
A partir da cinco da tarde, quando todos já tinha chegado da escola, nos reuníamos no centro da pracinha para escolher os times. Traves de chinelo, bola castigada. Time sem camisa contra time de camisa.
Eu era chato pra cacete. Reclamava de tudo. Xingava, dava bordoada, saía na porrada. Mas jogava razoavelmente bem, apesar de inconstante.
A seriedade prematura encharcou o gramado. Fui deixando de jogar bola. Quando percebi que tinha abandonado definitivamente o futebol, bateu uma grande tristeza. Hoje, só por um milagre surgirá novamente a oportunidade de bater um melão.
Tomei um chapéu do tempo.
Mas toda vez que a Seleção Brasileira entra em campo – seja com o técnico que for – eu me sinto vingado contra o jogo sujo do pragmatismo. É vendo dribles como os de Robinho que me sinto novamente capaz de sonhar com dias alegres. E de me lembrar que, um dia, ousei acreditar que marcaria um gol dentro do Maracanã lotado.