sábado, 4 de setembro de 2010

Vi o título da Inter no fim do mundo

Eu morava em Barra do Turvo, na divisa com o Paraná, quando assisti ao jogo que consagrou a Internacional de Limeira como uma das principais equipes do País.

O Vale do Ribeira era, e ainda é, uma região esquecida pelo governo do Estado de São Paulo. Não é pujante como a região de Campinas. Lá, a economia gira basicamente em torno do chá e da banana. Mais recentemente, agregou-se ao cenário econômico o ecoturismo.

Em 1986, a situação era pior do que hoje. A BR-116 era notícia constante nos grandes jornais. Acabou apelidada de "rodovia da morte". As enchentes em Barra do Turvo e Registro também eram notícia. Bom, a coisa não era muito divertida, já que ao cenário de falta de infraestrutura e de desastres naturais, somava-se a precariedade dos serviços públicos do município.

Mas a gente da Barra do Turvo, simples, sofrida e naturalmente bem-humorada virou torcedora da Inter. Meu pai era professor e chegou a ser diretor da única escola da cidade. Fazia propaganda do time. E eu espalhava, entre meus amigos, que Limeira era gigantesca e a equipe dirigida por Pepe era melhor que o Santos de 84, o que causava muito espanto, já que todo mundo sabia que eu era santista fanático.

A primeira partida da final eu ouvi sozinho, pela Rádio Bandeirantes, se não me engano, narração de Fiori Giglioti e comentários de Dalmo Pessoa. Meus pais e minha irmã tinham ido à igreja. Com o rádio em cima da geladeira, sentado à mesa com olhos fixos no vazio, imaginando cada toque, cada jogada, eu torcia loucamente. Seria melhor assistir ao jogo pela televisão, mas a "religião não permitia", como costumava justificar cada vez que alguém perguntava por que me privava de ver "Os Trapalhões".

Mas a gente aprende a se virar quando quer muito uma coisa. Eu e meu pai éramos televizinhos famosos na cidade. Às vezes fazíamos visitas inusitadas a casas de amigos quando havia um filme legal ou um jogo de futebol impossível de perder. Este foi o caso da final de 86. Mas o Luís da prefeitura, nosso vizinho, já estava meio preparado. Quando batemos à sua porta, ele nem esperou a justificativa. Já havia petiscos e bebidas na mesinha do centro da sala. "Sou palmeirense, mas hoje estou torcendo pra Inter de Limeira, professor", disse ele a meu pai. Quando vi queijos e presunto numa bela travessa, deixei Luís falando com meu pai na porta e parti pra frente da televisão. O jogo da Inter já começava a render.

Foi um dia fenomenal. Uma comemoração simples, mas cheia de alegria. No final daquele ano, visitei meus parentes em Limeira e recebi poster, revista, jornal e camisa de meu tio Alcimar (ou Silmar, pra quem o conhecia dos campos do Amador, jogando pelo Fluminense ou pela Eletrointer. Meia-esquerda habilidoso e de chute potente, meu tio Silmar também é santista).

Quando cheguei à Barra do Turvo, desfilei uma semana com o manto alvinegro. Minha mãe precisou me dar uns tapas para poder pegar a camisa e enfiar no tanque de lavar roupa. O orgulho que senti, apesar da catinga da camisa, ficou na memória daquela gente tão sofrida, mas que torceu como nunca para um time de uma cidade tão distante por puro prazer de ver futebol bem jogado. E, também, claro, porque se sentiam um pouco representados por aquele escrete do interior. Afinal, a Inter foi o primeiro time do interior campeão Paulista, aquele que rompeu barreiras e superou todas as dificuldades da época. Foi, realmente, uma conquista inesquecível.

 Parabéns, Inter!
 

24 anos da maior conquista da Inter


Do site da Internacional de Limeira

(clique no link e vá direto para a página)

O mais otimista leonino ou cronista esportivo jamais botaria fé em um time que ficou na posição intermediária no ano anterior e ainda mais que perdera de goleada na primeira rodada do Campeonato Paulista de 1986. Pois bem, a façanha de ser o primeiro time do interior paulista a conquistar o Paulistão foi e, sempre será, o fato mais marcante de toda a história do Campeonato Paulista desde seus primórdios. Afinal, em 1986, a Internacional de Limeira foi o grande destaque nas principais emissoras de rádio e televisão e nos jornais impressos de todo o Brasil como campeã paulista ao derrotar o Palmeiras e calar milhares de torcedores no Morumbi.
Mas a história do título de 1986 começou de fato no ano anterior. O elenco foi praticamente mantido aliado à contratação de outros jogadores como Kita, Juarez, Alves, Manguinha, Gilson Gênio, entre outros, além da presença de um bicampeão mundial tanto pelo clube (o glorioso Santos Futebol Clube) quanto pela seleção: o técnico Pepe. Na primeira rodada, uma "sapecada" de 3x1 do Palmeiras, no Palestra Itália. Isso era prova de que o primeiro turno não seria dos melhores, mas, mesmo assim, ostentou a 6ª colocação, com 21 pontos. Quem já não botava fé, jamais imaginaria uma reviravolta com tamanho futebol entrosado, rápido, solidário e com toques refinados. E foi o que realmente aconteceu. Faltando apenas duas rodadas para terminar o segundo turno, a Internacional já havia assegurado o primeiro lugar assim como na classificação geral (turno e returno).

Nas semifinais enfrentou o Santos e venceu a primeira partida em plena Vila Belmiro por 2x0 e também a segunda partida no Limeirão por 2x1. Classificado para a final, a equipe limeirense enfrentou o Palmeiras, há 10 anos sem ganhar um título sequer e ainda com os dois jogos no Morumbi. O primeiro jogo foi no dia 31 de agosto e o placar foi de 0x0, com um público de 104.136 pagantes. O segundo e decisivo confronto, também no Morumbi, aos olhos de 64.564 pagantes e mais os milhares de credenciados, a Internacional venceu o Palmeiras por 2x1, com gols de Kita e Tato, em uma partida eletrizante e emocionante até os últimos minutos, quando o árbitro da partida Dulcídio Vanderley Boschilla decretou o fim da jornada. O esquadrão mais famoso da história do futebol do interior paulista foi: Silas; João Luís, Juarez, Bolívar e Pecos; Manguinha, Gilberto Costa e João Batista;Tato, Kita e Lê. Ainda participaram da partida os jogadores Alves e Carlos Silva. Todos sob comando do técnico Pepe e presidência de Victório Marchesini.
Para sacramentar a conquista inédita, a Internacional ainda arrebatou a artilharia do campeonato com o centroavante Kita (24 gols), além de conquistar merecidamente um dos troféus mais cobiçado do futebol paulista: a Taça dos Invictos, promovido pelo então jornal "Gazeta Esportiva", ao ficar 17 partidas invictas, que antes estava em poder do Santos, com 15 partidas.

A campanha foi indiscutível. Em 42 jogos, foram 21 vitórias, 14 empates e sete derrotas. Foram anotados 59 gols e sofridos 33 gols. Para comprovar com dados, a seleção da imprensa, publicado no jornal Folha de S. Paulo tinha sete jogadores da equipe limeirense: Silas, Juarez, João Luis, Gilberto Costa, João Batista, Tato e Kita, os "intrusos" foram: zagueiro Vágner, do Palmeiras, lateral Nelsinho, do São Paulo, meia Pita, também do São Paulo e, atacante Mauro, da Ponte Preta. Por essa razão, a Internacional foi considerada a "Dinamarca Caipira" em alusão à seleção européia destaque da Copa do Mundo de 1986.
* "Obviamente, o Palmeiras era o favorito diante da Inter, até porque jamais um time do interior havia ganho um Paulistão, e mais ainda quando as duas finais foram marcadas para o Morumbi (sob a alegação que o estádio em Limeira não tinha condições para uma final), que se lotou de palmeirenses. No primeiro jogo, um 0 a 0, e na finalíssima, uma vitória por 2 a 1 para a Inter, materializaram a façanha histórica, além de condenar o Palmeiras ao seu décimo ano sem ganhar títulos".

O time titular da Internacional de Limeira era composto por: Silas; João Luís, Juarez, Bolívar e Pecos; Manguinha, Gilberto Costa e João Batista; Tato, Kita e Lê. Técnico: Pepe.

*"Em compasso de espera", Marcelo Laguna, Placar número 895, 27/7/1987, Editora Abril, pág. 51


FINAL

Primeira partida: 31 de agosto - PALMEIRAS 0 x 0 AA INTERNACIONAL
Local: Estádio do Morumbi (São Paulo) Público pagante: 104.136
Segunda partida: 03 de setembro - PALMEIRAS 1 x 2 AA INTERNACIONAL
Local: Estádio do Morumbi (São Paulo) Árbitro: Dulcídio Vanderley Boschilla
Público pagante: 68.564 Renda: CZ$ 2.443.610,00

Gols: KITA aos 5, TATO aos 9 e Amarildo aos 29 minutos do segundo tempo;

PALMEIRAS: Martorelli, Diogo (Ditinho), Márcio, Amartildo e Denis; Lino (Mendonça), Gerson e Jorginho; Mirandinha, Edmar e Éder. Técnico: Carbone

INTERNACIONAL: Silas, João Luis, Juarez, Bolivar e Pecos; Manguinha, Gilberto Costa e João Batista (Alves), Tato, Kita e Lê (Carlos Silva). Técnico: Pépe.