quinta-feira, 29 de abril de 2010

Mundo animal


Futebolês, gafes e Galvão perdido: 16 horas de TV na "Superquarta" do futebol

Mauricio Stycer
Especial para o UOL
Em São Paulo

Liguei a televisão às 7h20 da manhã, a tempo de ouvir Alex Escobar anunciar, no "Bom Dia Brasil", da Globo, "a noite especial" que nos esperava, e desliguei por volta da meia-noite, depois de ouvir Paulo Soares, no “Sportscenter”, da ESPN Brasil, descrever detalhes da “noite espetacular” de futebol que assistimos.

Foram 16 horas e 40 minutos diante da tevê, zapeando daqui para lá e de lá para acolá. Passei por nove canais entre os da tevê aberta e da paga. Vi total ou parcialmente 17 programas esportivos. Assisti seis partidas de futebol – apenas duas, Barcelona x Inter de Milão e Universitário x São Paulo, do início ao fim. Acompanhei com atenção outras duas, Flamengo x Corinthians e Atlético-MG x Santos. Vi um pouco de Vitória x Vasco e, no meio da tarde, para relaxar, passei os olhos pelo VT de Valenciennes x Bordeaux.

O que se segue é uma tentativa de resumir os melhores momentos desta jornada esportiva insana. Não recomendo a ninguém que repita a experiência em casa, mas não posso negar que, apesar do cansaço, me diverti muito.

9h – Assunto principal da jornada, o duelo entre os obesos Ronaldo e Adriano começou a ser discutido no “SporTV News”. Empolgada com o gol marcado pelo atacante do Flamengo no rachão na véspera do jogo, a repórter Bruna Gosling conta: “O excesso de peso não sumiu, mas o espírito do Imperador parece mais leve”. Outro tema recorrente também já aparece no programa matinal: “Quem vai ganhar este jogo?”, pergunta a repórter Janaína Xavier. “A gente ainda não sabe”, ela própria faz o favor de responder.

10h – “Haja controle remoto!”, prevê Dudu Monsanto, no “Pontapé Inicial”, na ESPN Brasil, antes de anunciar, ao lado de José Trajano, as atrações do mais eclético programa esportivo da tevê brasileira: Paulo Cesar Pinheiro, Edu Lobo, Penélope Cruz., quiabo, etc. “Uma tremenda Superquarta”, diz, quase ao mesmo tempo, Telmo Zanini, no sóbrio “Redação SporTV”.

10h30 - Num programa intitulado “Beting & Beting”, mas com a presença apenas de um Beting (Mauro), além de um Borges (Luciano) e um Fortes (Frank), na BandSports, ouço pela primeira vez o estranho apelo: “O Galvão vai transmitir, mas fique com a gente”, pede o comandante da atração, antes de atender o próprio telefone no ar. É de Beting também a curiosa recomendação ao público: “Arrume uma virose e não vá ao trabalho hoje”.

11h – José Trajano prevê vitória do Barcelona no confronto vespertino, mas esclarece: “Quero que Julio Cesar, Lucio e Maicon (os brasileiros da Inter) joguem muito bem, se destaquem”.

11h30 – Ainda na ESPN Brasil, mas no “Sportscenter”, André Kfouri e Arnaldo Ribeiro duelam sobre a capacidade de usar superlativos. “Vai ser uma super-híper-quarta”, diz Arnaldo. “Super-híper-mega-quarta”, corrige André.

12h – Paloma Tocci, no “Rede TV Esporte”, apresenta a nova camisa da seleção da Austrália e lances velhos do Campeonato Italiano, que a emissora exibe – inclusive um gol de Totti, da Roma, “que não é meu parente”, ela esclarece. Espécie de “TV Fama” esportivo, o programa apresenta o jogo entre Flamengo e Corinthians centrado no “duelo das massas”, a saber, os 103 quilos de Adriano versus os 101 quilos de Ronaldo.

12h30 – No “Jogo Aberto”, na Band, Renata Fan “entrevista” Téo José, que vai narrar Barcelona x Inter. “Não dá um friozinho?”, pergunta a loira. “Sonhei esta noite com Mourinho e Messi”, responde o narrador. Renata também “entrevista” o médico Osmar de Oliveira: “E esse Messi?”, indaga ela (Como a pergunta foi muito melhor que a resposta, vou poupá-los do que veio depois).
12h40 – No “Bate-Bola”, na ESPN Brasil, João Carlos Albuquerque quase repete o “haja controle remoto” de Dudu Monsanto: “Haja fôlego!”, exclama. Já Paulo Vinicius Coelho prevê: “A virada não é impossível. Vai dar Barcelona”. Outra atração do jogo no Camp Nou, avisa PVC, será o duelo entre os irmãos Milito – Diego (Inter) e Gabriel (Barça). Como não poderia faltar, João Carlos, ao falar de Flamengo e Corinthians, não consegue evitar a metáfora dietética: “Adriano e Ronaldo, dois pesos pesados”.

12h45 – Tiago Leifert, no “Globo Esporte, na Globo, é o décimo a repetir, na primeira metade do dia: “A Superquarta-feira do esporte”. Mauro Naves transfere a responsabilidade para o Fenômeno: “O Corinthians nunca precisou tanto de Ronaldo quanto hoje, e ele nunca marcou no Maracanã”. Eric Faria manda um aviso a Adriano: “Os 70 mil torcedores serão 70 mil fiscais”.

12h55 – Vladir Lemos, no “Bate-Bola”, manda: “Quem fica na frente de três televisores não vê jogo nenhum”. Penso com os meus botões: quem, além de jornalistas esportivos, faz isso?

13h – Um momento de relax no programa “News”, na BandSports: gols e mais gols da Liga dos Campeões da Ásia. Muito interessante. Na sequência, algo ainda melhor: uma reportagem sobre um parque de elefantes na África do Sul.

13h10 – No “Globo Esporte, uma reportagem sobre o duelo entre Messi e Lucio. “Barcelona inteira quer entrar em campo e jogar com Messi. Mas a sorte dele depende de Lucio”, informa o repórter Pedro Bassan, ou “Maçã”, como diz Leifert. Minutos depois, no Twitter, o jornalista Mauro Cezar Pereira, da ESPN, critica: “Não acredito que num duelo de time italiano com time espanhol a Globo queira que um jogador da Inter leve a melhor contra um do Barça só por ser um confronto entre um argentino (Messi) e um brasileiro (Lúcio). Pior: não é Lúcio quem marca Messi, mas Thiago Motta."

14h – No “Arena SporTV”, direto do Maracanã, Milton Leite orienta o espectador: “Para você saber para onde tem que ir o seu controle remoto” na quarta-feira. Distraído, mudo para a BandSports, onde Carlos Fernando apresenta “Por Dentro da Bola” e provoca: “Adriano e Ronaldo estão escalados por conta do que fizeram no passado. Que técnico hoje colocaria quase 200 quilos em campo?”

14h30 – Em vez de “Superquarta”, Carlos Fernando anuncia uma “quarta-feira balofa de futebol”.

15h – No “Abre o Jogo”, na ESPN, PVC analisa a escalação de Barcelona e Inter e prevê: “Se Messi jogar pela direita ele vai escapar do assédio dos dois volantes”. Já o narrador Paulo Andrade agradece o espectador “que deu um golpe no trabalho para assistir o jogo”.

15h15 – Enquanto isso, na BandSports, Carlos Fernando grita: “Quem inventou essa polêmica é um babaca!” Refere-se à observação que Vanderlei Luxemburgo, quando técnico do Santos, deixou Neymar e Ganso no banco de reservas. “Vanderley é um formador de jogador. Ele soube segurar o cara para ir soltando aos poucos”, defende o apresentador.

A imagem está tremendo porque o Maracanã está tremendo”, explica o comentarista Junior, na Globo, depois do gol de Adriano. Dez minutos depois, Cleber Machado faz uma observação original: "E pingou água depois da bola bater no travessão". Referia-se a uma cabeçada de Adriano

15h30 – Se na Globo, o duelo seria entre Messi e Lúcio, na Band é entre Messi e Julio Cesar – “o melhor goleiro do mundo versus o melhor jogador do mundo”. Mauro Betting fala um clichê ainda não dito na jornada: “Se o Barça jogar como Barça...”

15h42 – Entra em cena o grande personagem de Barcelona e Inter – Galvão Bueno, convocado para narrar a partida pela Rede Globo. Embora seja dona dos direitos da Liga dos Campeões, a emissora ainda não havia transmitido nenhuma partida da competição.

15h54 – Nove minutos de jogo. Galvão está perdido. Não localiza os jogadores e erra seguidamente os nomes em campo. “Estava prevista a escalação do Daniel Alves... Vamos achar o Daniel”, suplica. Pedro Bassan, em Barcelona, esclarece que o brasileiro Maxwell não está jogando, ainda que, segundo Galvão, ele já tivesse participado de alguns lances.

15h56 – Depois de um choque entre Messi e Máicon, Galvão observa que o argentino “deu um golpe de judô no brasileiro”. O narrador da Globo chama a Internazionale de Milão como “o Internacional” e a resume como “um combinado Brasil-Argentina”, devido aos muitos jogadores dos dois países que atuam na equipe.

16h15 – Torcendo claramente pela Inter, Galvão manda outra bomba: “A imprensa espanhola tem se especializado em fazer escândalos e incitar o torcedor”.

17h – “A Inter continua fechadinha”, diz Paulo Andrade, na ESPN. “Encaixotadinha”, acrescenta PVC.

17h30 – “É muito triste ver um time deixar de jogar como a Inter”, diz Falcão, criticando a retranca da equipe italiana. “O combinado Brasil-Argentina está na final”, comemora Galvão. “Assista a seguir capítulo inédito de ‘Armação’”, anuncia o narrador, querendo dizer “Malhação”.

17h35 – “A Inter vai à final porque bloqueou o melhor time do mundo”, diz PVC. Mas se é o melhor time do mundo, como perdeu de 3 a 1 em Milão e se deixou bloquear em Barcelona?

17h45 – Para relaxar, assisto um pouco do VT de Valenciennes e Bordeaux, no SporTV. Será que estou ficando maluco?

18h – No programa “Gazeta Esportiva”, na TV Gazeta, Celso Cardoso apresenta “o duelo de titãs” entre Flamengo e Corinthians e convoca o repórter Alex Silvestre, “do Maracanã”, para falar do clima antes da partida: “Estamos quase chegando. O trânsito está muito ruim”, avisa Silvestre, por telefone. “Serão 204 quilos” em campo, diz o repórter, falando dos “titãs” Adriano e Ronaldo.

19h – “Torcida do Flamengo promete uma recepção hostil a Ronaldo”, avisa o programa “Tá na Área”, no SporTV, mas não mostra as imagens dos travestis contratados para “receber” o jogador no Maracanã.

19h30 – Começa Universitário x São Paulo, no estádio Monumental de Lima, no Peru. “Era bom o São Paulo fazer 1 a 0 logo no início do jogo”, roga Eduardo Vaz, narrador da BandSports. “Já jogou neste estádio?”, pergunta Vaz ao comentarista, o ex-goleiro Zetti. “Não me lembro”, ele responde.

19h50 – “Não está havendo futebol em Lima, mas o São Paulo está obtendo um bom resultado”, observa Andre Rizek, comentarista do SporTV, com grande sinceridade.

20h50 – Richarlyson é expulso, se revolta e tenta agredir o juiz. “Ele está enlouquecido”, observa o narrador Milton Leite. “A sorte do São Paulo é que a Conmebol (Confederação Sul-americana) é frouxa neste tipo de punição”, diz Rizek. Meia hora depois, no “Bate-Bola” da ESPN, Eduardo Elias diria: “O Richarlyson deu uma despirocada”.

21h35 – A quinze minutos do início de Flamengo x Corinthians, chove muito no Maracanã. O narrador Silvio Luiz, da BandSports, parece preocupado, mas não com o estado do gramado: “Rapaz, o que está entrando de água aqui na cabine!”.

21h50 – Contra o sóbrio Cleber Machado na Globo, Silvio Luiz dá show: “Vamos ver quantos deles sabem cantar o Hino Nacional... Ah! Não vai ter hino?”

21h56 – No gramado molhado do Maracanã, Cleber escorrega num velho clichê: “Dentinho deixa o pé desnecessariamente”.

22h05 – “Não para de chover”, observa Silvio Luiz. “Hoje a gente vai dormir na cabine. Qual é o táxi que vai buscar nós (sic) aqui?”

22h20 – Adriano ainda não fez nada na partida. “Com 180 quilos, o que você queria?”, pergunta Silvio.

22h26 – Enquanto isso, na Band, no SporTV e na ESPN, Atlético e Santos dão show no Mineirão. “Pode vir, você vai gostar. Tá um jogão”, diz Luciano do Valle ao espectador que passa pelo canal, insatisfeito com a pelada no Maracanã.

22h39 – “A gente teve a oportunidade de fazer um gol que vale por dois”, repete Ganso a todas as emissoras de tevê em entrevistas individuais, referindo-se ao primeiro gol do Santos, no final do primeiro tempo.

22h50 – Ronaldo e Adriano não deram nenhum chute a gol no primeiro tempo. Um deu cinco passes certos; o outro, quatro. Um tocou na bola menos de 30 segundos; o outro, cerca de 50 segundos. “Números tímidos”, diz o tímido Cleber Machado.

23h02 – “Seguramente, um dos grandes jogos do ano”, diz João Palomino, na ESPN. “Um dos melhores jogos da temporada no mundo”, empolga-se Mauricio Noriega, no SporTV. Ambos se referem a Atlético-MG x Santos.

23h20 – “A imagem está tremendo porque o Maracanã está tremendo”, explica o comentarista Junior, na Globo, depois do gol de Adriano. Dez minutos depois, Cleber Machado faz uma observação original: “E pingou água depois da bola bater no travessão”. Referia-se a uma cabeçada de Adriano.

23h35 – Ronaldo é substituído. “E sai sem a alegria de ter feito um gol no Maracanã”, lamenta Mauro Naves.

23h42 – O Flamengo vence o Corinthians por 1 a 0. O Atlético bate o Santos por 3 a 2. O Vitória ganha do Vasco por 2 a 0. Até a próxima super-híper-mega-bláster-quarta-feira de futebol.