sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Guaraná com açaí

Um polígrafo
Cristiano Kock Vitta
Jornalista


Coluna publicada no Jornal de Limeira de hoje

Muito apropriado. Li a coluna da Nina Horta, na Folha de S. Paulo, enquanto almoçava. Sempre leio. É muito agradável. Ultimamente venho pegando gosto por fazer coisas agradáveis. Não sei por que motivo. Minha visão crítica deve ter regredido. Provavelmente, obra da alienação sistemática a que venho me submetendo voluntariamente. Bom, vamos ao que interessa. Terminei de ler o artigo e me senti intelectualmente refestelado. Nina havia preparado uma deliciosa crônica sobre a Coca-Cola.

Também já fui viciado nesta bebida. Por força das circunstâncias, porém, tive que abandonar o hábito. Até ontem (quinta-feira, 9 de novembro de 2010). Hoje, se não mudaram o calendário, é sexta-feira. Sexta-feira, 10 de novembro de 2010. Graças a Deus, a Buda e a Shiva. Ontem, foi quinta. Então, certamente, estou lúcido. Foi ontem mesmo que voltei a tomar refrigerante. Sete meses depois de uma dieta rígida. Não por influência de Nina. Mas por curiosidade. A curiosidade matou o gato, diz o ditado. No meu caso, atiçou o paladar.

Não tomei Coca-Cola, muito menos fui à escola. Sorvi, entretanto, goles modestos do novo guaraná Antarctica, que tem açaí na fórmula. Ou, pelo menos, o gosto do açaí. Que surpresa agradável! Antes de beber, cheirei o produto. Ótimo aroma. Lembrava vagamente jurubeba. Não a Solanum paniculatum L., propriamente dita. Falo da bebida, que eu apreciava nos bons tempos que era botequeiro. Eita, Leão do Norte! Jurubeba é tão boa que até o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, fez uma música em sua homenagem.

Mas o lance aqui é guaraná. Guaraná com açaí. Uma delícia. Valeu a pena transgredir um pouquinho as recomendações médicas. Já se passaram seis meses de convalescença. Eu merecia um prazer politicamente incorreto após tanto tempo sob uma disciplina férrea. Dá vontade de beber de novo. Mas não precisei de muito esforço para me contentar com um copo. Hoje sou um homem mais consciente e feliz. Fruto, possivelmente, do egoísmo. Como dizia Raul, eu sou egoísta.

E o egoísmo nos leva a criar situações boas para nós. Driblei a disciplina, deixei o hedonismo me arrebatar, olvidei as dores do mundo, ignorei o horário político, viajei na maionese só por causa de uma dose de guaraná com açaí. Meu Deus! A que ponto a gente chega. Mas com a idade aprendemos a administrar a culpa. Nina gosta de coca. Eu gosto de guaraná. Principalmente por causa do cheiro. No copo, dá pra sentir bem o aroma de jurubeba. Ouça a música do Gil bebendo guaraná com açaí. Você vai entender tudo.

O que seria de nós se não nos permitíssemos pequenos prazeres inadequados? Talvez a vida se tornasse mais amarga que uma dose de jurubeba.